Sobre o livro Walter Smetak: o Alquimista dos Sons de Marco Scarassatti por Giuliano Obici
Walter Smetak: o Alquimista dos Sons é um daqueles livros que você só se dá conta de sua importância para a arte brasileira depois que o encontra, lê do início ao fim e se pergunta: como não tinham escrito algo assim sobre Walter Smetak antes?
O livro de Marco Scarassatti apresenta vida e obra de um artista que confundiu as fronteiras da música com as artes visuais do século XX. Precursor no Brasil da arte sonora, seu trabalho aborda técnicas diversas de luteria, escultura, instrumentos coletivos, bricolagem, microtonalismo, instrumentos cinéticos, instalações interativas e improvisação misturando simbologias de religiões e aplicando conceitos da teosofia às formas e cores em sua plástica sonora.
O livro se estrutura em duas partes: I) Trajetória do artista; e II) O processo de criação. Acompanha ainda um CD com depoimentos de Walter Smetak além de composições de Marco Scarassatti, grupo Sonax, Nelson Pinto, Frederico Grassano e Marcelo Bonfim. Scarassatti escreveu um texto singular, resultado de sua pesquisa de mestrado, que transita com leveza entre a forma e o rigor acadêmico proporcionando uma leitura acessível a todos. Talvez um dos maiores méritos do autor tenha sido de apresentar Smetak em sua multiplicidade e inventividade artística, fugindo da rotulação mística e simplista atribuída à sua personalidade.
Máquina de silêncio, inter-acústica, anti-luteria, caossonância, labotatório-instrumento, meta-som, esses são alguns dos trabalhos e conceitos que compõe o universo smetakiano. O livro nos conduz por um campo inventivo, prenhe pela potência de pensamento e pela vida investigativa que Smetak dedicou à matéria sonora.
A última frase do livro sintetiza o pensamento e a poética de Smetak. “Um pioneiro e um profeta-visionário de uma multimídia desplugada”. Multimídia, por transitar entre sensorialidades e meios diversos: som, imagem, forma. Desplugada pode ser entendido, primeiro, porque não precisa ser ligada aos cabos elétricos. Segundo, porque Smetak nos desconecta de um tempo presente para um diálogo com o primitivo, um retorno ao passado que é também uma ponte para o futuro. Ou ainda, porque parte de uma busca espiritual, que está diretamente relacionada com sua inquietação constante por criar e estabelecer novas relações com o som: luteria e plásticas sonoras, instrumentos-esculturas, microtonalismo, improviso para constituir uma nova consciência. O som como meio de preparação e transformação para uma nova percepção, um novo homem, um novo mundo.
Frente os tempos atuais cada vez mais plugado e mediado pelos dispositivos advindos da tecno-ciência, a multimídia desplugada de Smetak pode parecer anacrônica, porém acentua a expressividade do fazer artístico para além do fetiche tecnológico. Aponta para uma arte comprometida com a intuição, improviso, acaso, bem como com a simplicidade dos materiais que compõem seu trabalho, predominantemente cabaças e arames.
Atualizando o pensamento de Smetak para os tempos atuais, seja no contexto musical ou das artes plásticas, dos instrumentos e da luteria acústica, elétrica ou digital, da arte sonora e das instalações interativas, o leitor poderá encontrar um mundo instigante e fértil que fez os artistas do tropicalismo considerá-lo como uma de suas maiores influências. Músicos como Tom Zé, Gilberto Gil, Caetano Veloso e Marco Antônio Guimarães (Uakti); assim como o artista Hélio Oiticica - que o convidou para participar da mostra coletiva Nova Objetividade Brasileira em 1967 - apenas citando os mais conhecidos, foram instigados pela arte e o pensamento de Smetak. Por essas e outras razões, vale a pena embarcar na lúcida viagem, que Marco Scarassatti nos proporciona, pelo universo smetakiano e sua multimídia desplugada.